Representantes da indústria, do comércio e do governo defenderam a simplificação das regras regulatórias do país durante audiência pública que está sendo realizada nesta sexta-feira (30/11) na sede da Advocacia-Geral da União (AGU), em Brasília. O encontro tem como objetivo colher contribuições para a equipe criada pela instituição para propor uma revisão das normas, o Grupo de Trabalho Coerência Regulatória.

Na abertura da audiência, a advogada-geral da União, Grace Mendonça, falou sobre a importância de encontrar alternativas que auxiliem a área jurídica do setor público país a tornar o ambiente de negócios do país mais simples, claro e eficiente. “A realidade atual é de aumento da complexidade das relações jurídicas. Hoje, quem quer investir tem que contratar verdadeiros especialistas na área regulatória. O esforço de toda a equipe vem no sentido de criar um ambiente de negócios mais amigável no Brasil”, explicou a advogada-geral.

Esta é primeira audiência pública realizada na AGU. Após o evento, o Grupo de Trabalho Coerência Regulatória publicará em até 15 dias um manual de boas práticas normativas que irá vincular toda a área jurídica da administração pública federal. O documento trará premissas que irão auxiliar o assessoramento jurídico de gestores na formulação de políticas públicas e na regulação de setores econômicos.

A representante da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Christiane Aquino Bonomo, elogiou a iniciativa da AGU. “Na gestão de estoque regulatório, achamos que a AGU poderia exercer um papel central. Hoje, o Brasil não tem órgão coordenador ou supervisor de regulação ? nós precisamos harmonizar a interface entre as agências e ministérios, e o papel conciliador da AGU é fundamental”, pontuou Christiane, que também defendeu uma maior acessibilidade do estoque regulatório existente no país.

Transparência

A especialista em Políticas e Indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Patrícia Fernandes de Carvalho, pediu mais transparência aos procedimentos regulatórios: “Decisões claras e proporcionais podem contribuir para um bom ambiente regulatório no Brasil. Uma sugestão seria promover o planejamento regulatório estratégico, com agências e órgãos adotando práticas de missão anual de agendas regulatórias, tornando-as parte de seu planejamento”, sugeriu.

Já Tatiane Schofield, diretora jurídica da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), comentou sobre o excesso de regras no setor. “Este é um setor altamente regulado, tendo, além das regras de qualidade, segurança e eficácia, tem ainda um patamar de preço. No caso do setor farmacêutico, a gente identifica uma clara sobreposição de regras entre entidades. A gente precisa de regras claras e é fundamental que haja uma equalização delas”, pontuou.

Ivo Carlos de Almeida Palmeira, coordenador jurídico da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), defendeu maior segurança jurídica no cumprimento dos contratos com o poder público. “Temos hoje um excesso de judicialização de qualquer regra, esteja ela incluída no contrato de concessão ou no termo de permissão. E isso é muito prejudicial tanto para o setor privado quanto para o poder público, quando o ideal é o cumprimento rígido pelas partes das regras estabelecidas no contrato e no termo de permissão”, afirmou.

Produção normativa

Carolina Amaral, diretora da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), apresentou dados sobre o tamanho do corpo normativo em relação ao ambiente regulatório no Brasil. “Somente na seção 1 do Diário Oficial da União, no ano de 2017, foram publicados 215 atos por dia útil. E destes, apenas 0,3% são atos de repercussão coletiva provenientes do Poder Legislativo. Podemos ver uma produção normativa elevadíssima. Apenas as agências reguladoras, que hoje são nove no país, editaram 40 atos por dia útil”, relatou Carolina.

“Seria fundamental a formulação de um estudo do impacto regulatório normativo na indústria”, acrescentou Alexandre Ramos, gerente do departamento jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A posição também foi defendida por Yuri Schmitke, membro da Comissão Especial de Energia Elétrica do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que defendeu a ênfase na conciliação dentro do ambiente regulatório, afirmando que “a experiência internacional demonstra que o foco na mediação, acompanhamento e advertência gera resultados melhores que o processo sancionatório puro”.

Régis Dudena, gerente jurídico da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), enfatizou a importância da análise dos problemas que a regulação deve abordar. “No movimento de regulação, é muito importante refletir sobre qual o problema abordado pela regulação e delimitar os limites do problema. Dessa forma, é necessário pensar em como essas dificuldades podem ser enfrentadas pelo normativo. A edição de atos normativos não é a única solução possível no ambiente regulatório”, disse.

Diálogo

Rudy Ferraz, chefe da assessoria jurídica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), destacou por sua vez o aumento do diálogo com a AGU nas questões relativas à coerência regulatória no ambiente de negócios. “Nós tivemos um diálogo muito grande nesta gestão, e isso é um ponto fundamental para a viabilidade da segurança jurídica ? o diálogo e a previsibilidade. Isso dá segurança para o investidor”, afirmou.

Walban Damasceno de Souza, diretor-presidente da Aliança Brasileira da Indústria Inovadora em Saúde (Abiis), pediu transparência do poder público no aproveitamento dos conteúdos discutidos em audiências públicas. “É interessante que recebamos um retorno das sugestões que apresentamos nas consultas públicas, com uma resposta respeitosa quando essas sugestões não forem acatadas ? pois há nessa resposta um processo educacional”, disse.

O consultor jurídico da Aeronáutica, Romilson Volotão, falou sobre o excesso de burocracia na concessão de licenças ambientais. “O licenciamento ambiental brasileiro é ineficiente, principalmente nos projetos de infraestrutura. Uma usina hidrelétrica precisa de 20 licenças de 11 órgãos públicos diferentes. Não é preciso mudar a legislação atual, que é uma das mais avançadas do mundo, mas é preciso uma atuação coordenada da administração pública, entre as diversas agências. E isso traz um prejuízo em termos de demora do licenciamento e de judicialização posterior”, explicou o consultor, sugerindo como solução para o problema a definição de uma instituição pública líder, responsável por coordenar o trabalho das restantes.

O chefe da Assessoria Especial em Assuntos Regulatórios da Secretaria Executiva do Ministério de Minas e Energia, Igor Alexandre Walter, alertou que é importante incluir, entre as diretrizes para a edição de normas regulatórias, regras mais claras para a participação da sociedade na formulação dos atos.

O diplomata Pedro Barreto da Rocha Paranhos, da Divisão de Negociações de Serviços do Ministério das Relações Exteriores, abordou a importância da clareza regulatória no âmbito de acordos comerciais internacionais. “É preciso que o investidor estrangeiro possa, por meio de um único canal, ter acesso aos documentos necessários para os diversos tipos de investimentos. É necessária uma melhor comunicação entre as consultorias jurídicas envolvidas”, pontuou.

Dimensão do problema

Já o professor da Universidade de Brasília, Marcio Iorio Aranha, disse que o primeiro passo para aperfeiçoar o ambiente regulatório é compilar e consolidar em um único local as normas. Segundo o professor, isso permitiria eliminar dispositivos ultrapassados, repetidos ou contrários a regras mais atuais. “É preciso ter uma dimensão real do problema. Sem um sistema de informação muito estruturado, não tem como fazer. Se não se sabe o que existe, como enxugar? Esse é um esforço que deveria estar sendo implementado em todos os órgãos de governo”, alertou.

Gerente-geral de Regulamentação e Boas Práticas Regulatórias da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gabrielle Cunha Barbosa mostrou como a agência fez um esforço, nos últimos anos, para aperfeiçoar a gestão do estoque de normas da entidade, como a organização das regras em áreas temáticas e a revogação formal de atos ultrapassados. “Uma das nossas diretrizes é simplificar a carga administrativa no decorrer do desenvolvimento da norma”, disse.

Diogo Palau, diretor da Escola da AGU, falou sobre a importância de a inovação ser incentivada pelas normas regulatórias. “A inovação só ocorrerá se houver garantia de que o investimento nela terá retorno”, observou.

O auditor de Finanças e Controle do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União Carlos, Roberto Corrêa Filho, e o especialista em Parcerias Público Privadas das Nações Unidas, Bernardo Ramos Bahia, apresentaram iniciativa conjunta para criar uma ferramenta para avaliar a capacidade regulatória do país. “A ideia é criar um índice que permita avaliar diversos órgãos, incluindo estaduais e municipais, para ter parâmetros mais técnicos sobre a questão levando em consideração diversos aspectos, como a efetividade da análise de impacto regulatório”, explicou Bernardo.

Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Guimarães Feliciano afirmou que atualmente existem lacunas regulatórias nas relações de trabalho, que estão permanentemente em transformação e gerando situações não contempladas de forma satisfatória pela legislação atual, como o trabalho remoto e os “uberizados”, ou seja, baseados em prestações de serviços pontuais por uma coletividade de microempreendedores. “Quando o caso chega na mão dos juízes e não há uma norma específica para aquela situação, ou há uma profusão de regras para a mesma situação, eles procuram decidir com base em analogias e em normas mais gerais”, disse o magistrado, ressaltando que tal situação gera enorme insegurança jurídica.

Por fim, o assessor jurídico da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Anaximandro Doudement Almeida, reclamou que as normas brasileiras para o setor agrícola são permanentemente alteradas e muitas vezes de forma incompatível com as internacionais, o que afeta a competitividade dos produtores rurais brasileiros no mercado exterior. “O setor trabalha com previsibilidade. Quando há uma mudança na legislação que nos afeta, toda cadeira é quebrada, prejudicando as exportações, a geração de empregos. Esse é o cuidado que é preciso ter”, ponderou.

Fazer a diferença

No encerramento das apresentações, a ministra Grace Mendonça agradeceu as contribuições dadas por todos os participantes. “Para nós, essa audiência foi extremamente produtiva para ter uma noção da estatura do problema. Nosso desafio é imenso no sentido de trazer um ambiente melhor para os negócios no Brasil. Está clara a importância da simplificação e da consolidação das normas, bem como da previsibilidade. Só com trabalho conjunto construiremos a segurança jurídica e a coerência regulatória necessárias. O que queremos entregar ao final desse processo é um trabalho que de fato faça a diferença”, concluiu.