Publicado em: 06/06/2019.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu liminar no Habeas Corpus (HC) 171576 e suspendeu o trâmite de ação penal em curso na 5ª Vara Federal de Caxias do Sul (RS) na parte relativa a um ex-assessor jurídico do Município de Canela (RS), denunciado por ter emitido parecer em processo licitatório supostamente fraudulento e ter assinado um dos contratos formalizados. Segundo o relator, “em Direito Penal não se pode aceitar a responsabilização objetiva, sem comprovação de dolo ou culpa”.

Em julho de 2010, ventos fortes e chuvas torrenciais causaram devastação em Canela, o que levou o então prefeito, Constantino Orsolin, a decretar situação de emergência. O Ministério da Integração Nacional repassou ao município R$ 7 milhões para a reconstrução de parte da cidade. Valendo-se da dispensa de licitação, os gestores municipais contrataram a empresa Monterry Montagem de Stands Ltda. para recuperar estradas e ponte e reformar e construir casas. Durante a execução dos contratos, surgiram denúncias relativas a falta de capacidade técnica da empresa, antecipação indevida de receitas, fraudes na execução dos serviços, desvio de recursos e prorrogações irregulares, o que levou a Câmara Municipal de Canela a instaurar uma CPI.

Na denúncia, o Ministério Público Federal (MPF) alega que a empresa contratada não atuava na área de construção civil e não detinha qualquer experiência na realização de obras de engenharia. Com relação à conduta imputada ao ex-assessor jurídico, o MPF afirma que ele deveria ter fiscalizado a regularidade da dispensa de licitação e também do contrato, mas acabou por avalizar a escolha e assinar um dos contratos supostamente fraudulentos. Por isso, teria atuado com dolo, ao entender como emergencial um contrato pactuado quase cinco meses após o desastre e cujo prazo para execução se alargava por mais cinco meses.

No HC ao Supremo, o advogado argumentou que seu parecer jurídico foi meramente opinativo, sem caráter vinculante. Pediu a concessão de liminar para suspender a ação penal a que responde e, no mérito, seu trancamento por falta de justa causa para o prosseguimento do processo. Informou que a denúncia do MPF narra que o então secretário municipal de Obras foi quem emitiu os pareceres com afirmações inverídicas acerca da qualificação da empresa escolhida e da urgência da contratação. “Se as informações passadas não eram verídicas, não cabia ao Jurídico a constatação de veracidade”, alegou.

Decisão

De acordo com o ministro Gilmar Mendes, o MPF pretendeu exigir do então assessor jurídico conhecimento técnico de todas as áreas, e não apenas de temas relacionados ao Direito, o que caracteriza constrangimento ilegal. “No processo licitatório, não compete ao assessor jurídico averiguar se está presente a causa de emergencialidade, mas apenas se há, nos autos, decreto que a reconheça”, explicou. “Sua função é zelar pela lisura sob o aspecto formal do processo, de maneira a atuar como verdadeiro fiscal de formalidades”.

Em sua decisão, o relator afirmou que, no processo licitatório, o assessor jurídico está restrito a atestar a presença do decreto, e sua assinatura na minuta do contrato servirá de atestado de cumprimento de requisitos formais, e não materiais. No caso, no entanto, o Ministério Público exige que ele investigue a presença da situação de emergência.

O ministro observou também que não há nenhuma menção na denúncia de que o ex-assessor jurídico tenha se beneficiado de suposto esquema criminoso, tampouco que teria emitido o parecer, a fim de, intencionalmente, causar danos ao erário. Lembrou, ainda, que a atuação do advogado é resguardada no artigo 133 da Constituição Federal. “Eventual responsabilização penal apenas se justifica em caso de indicação de circunstâncias concretas que o vinculem, subjetivamente, ao propósito delitivo”, concluiu.