Representantes do governo, da iniciativa privada e da área acadêmica participaram, nesta quinta-feira (14/5), do último webinário sobre os efeitos da pandemia da Covid-19 nos setores de infraestrutura. Teorias jurídicas para dar embasamento a rediscussões contratuais e compartilhamento de riscos foram alguns dos temas tratados.

Especialistas da iniciativa privada e das áreas governamental e acadêmica discutiram, nesta quinta-feira (14/5), compartilhamento de prejuízosreequilíbrio econômico-financeiro e adaptações contratuais no setor de infraestrutura face aos impactos da crise da Covid-19. Entre os temas tratados, os participantes discutiram compartilhamento de riscos nos contratos de concessão e defenderam protocolos e celeridade na decisão quanto a reequilíbrios econômico-financeiros, com menção à possibilidade de criação de Câmaras de Conciliação, segundo proposta do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, para evitar a judicialização desses casos.

Participaram do debate o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (ABDIB), Venilton Tadini, o professor de Direito e pesquisador associado da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Luiz Gustavo Kaercher Loureiro, a diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura da FGV, Joísa Dutra, e o secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord. Depois da apresentação dos pontos principais de cada participante, o presidente da ABDIB foi representado no debate pelo coordenador do Comitê Legal e Tributário da Associação, Lauro Celidonio Gomes dos Reis Neto.

Com duração de 2h30, o webinário foi mediado pelo secretário-geral da Presidência do Tribunal de Contas da União (TCU), Maurício Wanderley, e contou com a participação do secretário de Fiscalização de Infraestrutura de Energia Elétrica do TCU, Manoel Moreira de Souza Neto. Cerca de 300 pessoas acompanharam o debate pelo canal do TCU no YouTube.

selo_coopera.pngO encontro foi o último de quatro webinários da série realizada pelo Grupo Temático de Infraestrutura do Centro de Altos Estudos em Controle e Administração Pública (Cecap), uma iniciativa do TCU, sobre os desafios da pandemia da Covid-19 para os setores de infraestrutura do país. Os vídeos da série de webinários já superaram sete mil visualizações, segundo o secretário-geral da Presidência. Os encontros integram o Coopera, programa especial do TCU para enfrentamento dos problemas decorrentes da crise da Covid-19.

Ao final do debate, Maurício Wanderley disse que o webinário passou por temas muito importantes, destacando “ações de mitigação, teorias jurídicas que vão dar embasamento a rediscussões contratuais, os mecanismos regulatórios que estão à disposição, a maneira que o mundo está tratando o tema, e a questão da alocação de riscos”. Ele agradeceu a todos os colegas e áreas do TCU que contribuíram com a formatação dos webinários, em especial ao coordenador-geral de Controle Externo de Infraestrutura do TCU, Nicola Espinheira da Costa Khoury.

“Esse conjunto de webinários reforça a intenção do TCU de dialogar com a sociedade e promover o fomento do diálogo institucional. É com esse diálogo entre governo, órgão de controle, sociedade, cada um ocupando o seu papel, que vamos aumentar a segurança jurídica no Brasil”, reforçou Maurício Wanderley.

Veja abaixo falas de destaque dos gestores no webinário desta quinta-feira (14/5):

Venilton Tadini, presidente da ABDIB

“Vocês têm acompanhado dificuldades das concessões que nós tivemos, seja por estruturas de editais não adequados, seja por problemas efetivamente de natureza específica não tratados nesses instrumentos, que hoje temos visto principalmente na parte de aeroportos e rodovias, com a devolução dos ativos. Esse processo exige uma articulação fundamental dos entes públicos, nomeadamente os órgãos de controle e fiscalização e do Executivo, para que os casos sejam resolvidos rapidamente. Para isso, é fundamental definir critérios e protocolos objetivos para cada segmento de atividade”

“Chamo a atenção para uma proposta de iniciativa do ministro do TCU Bruno Dantas para que se crie uma Câmara de Conciliação a respeito dos reequilíbrios econômico-financeiros. Pode ser uma boa alternativa para a celeridade dos processos e seria importante ter participação da iniciativa privada. A ABDIB poderia colaborar com isso.”

Luiz Gustavo Kaercher Loureiro, pesquisador associado da FGV

“Costuma-se dizer que todo contrato administrativo pressupõe dois tipos de álea, ordinária e extraordinária, e por fim um conjunto de remédios em razão dos quais se procura recompor ou reequilibrar os contratos de concessão. Talvez mais do que nunca tenhamos a necessidade de criar novos remédios, mas tradicionalmente se considera que o mecanismo mais usual de reequilíbrio é a revisão tarifária, sem prejuízo de outros, como extensão de prazo, reconfiguração das obrigações do concessionário.”

“Muitos contratos de risco têm essa feição de atribuir o risco de demanda para o concessionário. A questão passa a ser a seguinte: dada essa matriz de risco, posso introduzir alterações invocando a teoria da imprevisão? É um problema que talvez seja dos mais sensíveis que vamos enfrentar, que é a revisão de matriz de risco.”

“Gostaria de falar de alternativas não judiciais para solução dessas controvérsias. Preferia que as partes tentassem negociar dentro do que é possível à luz de certas premissas jurídicas, e, em não sendo possível isso, gostaria de ver essas soluções encaminhadas de maneira talvez não ortodoxa, com mecanismos não judiciais de solução de controvérsia. Pela não especialização e pela maneira como o Judiciário está organizado, ele teria dificuldade para compreender as questões que estão em jogo em um complexo mecanismo de negociação de reequilíbrio financeiro. Acho que o Judiciário tem uma visão simplista da noção de equilíbrio econômico-financeiro.”

Joísa Dutra, diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura da FGV

“Nesse nosso mundo de segurança jurídica e boa governança regulatória, esse processo de flexibilização da contratação de demanda de energia elétrica em função da redução da atividade, experimentada por consumidores comerciais e industriais, penaliza profundamente esses usuários. Estamos falando de uma série de usuários que estão sendo penalizados nas suas atividades. Como compartilhamos os impactos dessa crise, como buscar o reequilíbrio? Há a possibilidade do uso da mediação para que consiga trazer uma parte que não está sentada à mesa para essa negociação.”

“O Brasil tem todas as condições de enfrentar esta crise e poder estruturar uma resposta duradoura e alinhada ao que se espera dos movimentos internacionais. As políticas de clima não vão desaparecer. Como faz isso nas indústrias de infraestrutura: modernizando, com digitalização e negociações comerciais em ambientes organizados, o que é fundamental para gerenciamento de risco.”

“Precisamos pensar como esse futuro nos traz, de forma concreta, a oportunidade de aprofundar essa vocação renovável e para avançar na reforma do saneamento. São duas indústrias que têm toda a capacidade de atrair um grande volume de investimento alinhados aos objetivos de desenvolvimento sustentável e que nos colocariam verdadeiramente alinhados a essa visão de futuro, inclusive com empregos não apenas verdes, mas do ponto de vista tecnológico, mais avançados.”

Diogo Mac Cord, secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia

“Não podemos, nessa discussão de reequilíbrio emergencial de agora, confundir com problemas antigos de concessões. Tem contrato que já chegou semimorto na crise da Covid. Temos de ter cuidado com projetos de lei que estão tramitando e que permitem a completa renegociação do contrato e que salva os concessionários que morreriam de toda forma. Acho que esse não é o caminho. Precisa conversar sobre a reorganização da matriz de risco.”

“Risco de demanda é um problema grande quando alocado incorretamente. Precisa ser alocado da maneira correta. Outra coisa, erros de modelagem. As vezes o projeto nasceu com alocação indevida de risco ou problemas estruturais. Uma questão que dá para exemplificar bem é a outorga fixa. A partir do momento que tem um valor fixo de outorga que precisa ser pago anualmente, tenho um bloqueio que evita boa parte de medidas de reequilíbrio instantâneas. A gente precisa repensar de maneira geral como que o contrato é feito. Pode-se pensar em compartilhamento de risco.”

“A gente pode ter reequilíbrio de diferentes maneiras. Pode ser o governo bancando a diferença ou pode ter outro mecanismo de dilatação do contrato. Com isso, não tenho efeito imediato, mas permito refinanciamento pelo próprio investidor, porque vai ter direito de operar aquele ativo por mais tempo. Isso funciona principalmente se o final do contrato for mais próximo. E a revisão de cronograma de investimentos. Existem vários mecanismos que a gente pode adotar. Eu não gosto da devolução integral do risco. Talvez alguma coisa no meio do caminho, talvez não para todas as concessões.”

Lauro Celidonio Gomes dos Reis Neto, coordenador do Comitê Legal e Tributário da ABDIB

“Estamos enfrentando agora uma situação absolutamente extraordinária. Quando você pega os diferentes contratos e diferentes setores, pode haver uma mistura entre álea extraordinária com o fato do príncipe em determinadas situações. Estamos propondo que seja feita uma estrutura procedimental que permita o reequilíbrio de contratos no prazo de 180 dias.”

“Em determinadas situações, a defasagem é tão clara e brutal que o reequilíbrio tem de ser imediato. Nessa discussão a gente pode fazer um reequilíbrio precário e deixar o reequilíbrio de fundo para o futuro quando a situação estiver mais clara. No nosso entendimento, a legislação permite as duas coisas: fazer algo precário e urgente e depois uma revisão mais de fundo. Acho que isso é possível e, em determinados casos, é necessário.”

“Tradicionalmente, se faz o reequilíbrio de contrato por meio de revisão de tarifa e extensão de prazo. Numa forma emergencial, hoje, nenhuma dessas duas soluções resolve o problema. Como parte para um reequilíbrio mais rápido: primeiro é a redução das obrigações, especialmente das que signifiquem grande desencaixe de dinheiro, redução das obras, não pagamento das outorgas e por aí vai. O segundo é, dentro do contrato, conseguir aumentar a receita para o concessionário.”

 

Assista à íntegra do debate desta quinta-feira (14/5)

Acesse a íntegra dos webinários anteriores:

1) Debates sobre os impactos da pandemia nos setores de infraestrutura – Transportes (5/5)

2) Debates sobre os impactos da nos setores de infraestrutura – Energia (7/5)

3) Desajustes econômico-financeiros e possíveis soluções (12/5)